sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O guião de Carolina

A dona da escrava dos caroços aprendeu bem o guião encomendado...


A mandatária para a juventude do PS fala de política, de opções, de reformas e rupturas. Aconselharam-na a não se envolver na campanha


Aos 22 anos, Carolina Patrocínio fala da fraca competitividade das empresas portuguesas
Carolina Patrocínio não precisa da autorização de José Sócrates para dar entrevistas sobre política, ao contrário do que foi publicado em alguns jornais de Portugal. A história da empregada que lhe tirava os caroços da fruta vale pelo retrato intimista. Carolina é mais do que isso. Em entrevista exclusiva ao i, fala da coragem necessária para fazer reformas políticas e provocar rupturas. Diz que o PS deve governar sozinho, mesmo sem maioria absoluta. E assume as suas opções, apesar de a terem avisado para não se envolver na política.

Por que motivo decidiu ser mandatária nacional para a juventude da campanha do PS às legislativas?

Não decidi à partida ser mandatária para a juventude, esse convite surgiu mais tarde. Escolhi, sim, disponibilizar-me para participar activamente na campanha, dando o meu modesto contributo, independentemente do papel que me viesse a ser atribuído.

Por que razão a escolheram?

Não fui a escolhida, ninguém me procurou. Partiu de mim demonstrar o interesse que tinha em contribuir, na medida das minhas possibilidades, na campanha eleitoral para a reeleição de José Sócrates. Após as primeiras conversas surgiu o convite para ser mandatária, que aceitei com muito orgulho.

Foi José Sócrates que a convidou?

O convite não foi feito directamente por José Sócrates, embora tenha tido, como é natural, a sua concordância.

Já conhecia José Sócrates?

Pessoalmente não, o primeiro contacto aconteceu apenas após o envolvimento que tive nas "Novas Fronteiras".

Como reagiu a sua família?

A minha família, como sempre, apoiou-me desde o início, apesar de me ter alertado para os riscos que inevitavelmente iria correr, fruto de uma maior exposição pública numa área tão sensível como a política.

Quais são, para si, as qualidades e os defeitos do actual primeiro-ministro?

Em primeiro lugar, uma grande coragem política e uma forte determinação para levar a cabo as transformações de que Portugal necessita. Acho que, ao contrário da maioria dos outros líderes partidários, José Sócrates tem uma visão realista e faz uma leitura correcta da sociedade portuguesa. É certo que nem sempre escolhe o caminho mais fácil, mas as rupturas e as reformas de fundo também nunca se fizeram com paninhos quentes...

Acha que o PS, se não tiver maioria absoluta, se deve aliar a outro partido?

Acho que, se o PS vencer sem maioria absoluta, deve governar mesmo em minoria. Não sou analista política, mas face àquilo que tem sido o posicionamento dos partidos da oposição, julgo completamente improvável um governo de coligação. E governar em minoria também poderá significar uma maior responsabilidade da oposição na crítica ou no apoio às medidas do governo.

Como avalia os últimos quatros anos de governo?

Acho que a redução para metade do insucesso escolar, a aposta reconhecidamente ganha nas energias renováveis e a reforma da Segurança Social para acautelar a sua sustentabilidade talvez tenham sido as mais bem conseguidas. O que correu pior e o que ninguém esperava foi o alcance da crise financeira mundial que veio afectar a margem de manobra do governo. Ainda assim, mesmo no cenário de crise instalada, acho que o primeiro-ministro soube estar à altura dos acontecimentos, tomando medidas de carácter excepcional, que transmitiram a segurança e a confiança necessárias para evitar males maiores. Essa postura foi aliás elogiada internacionalmente, pelo facto de Portugal ter sido um dos primeiros países europeus a responder à crise financeira.

Envolveu-se na política por influência de alguém?

Quase todas as pessoas com quem falei me aconselharam a não me envolver na política. Disseram-me que iria criar muitas inimizades e ser alvo de uma chuva de críticas. Estou ciente desse risco e sei que qualquer deslize que tenha será amplificado e repetido até à exaustão. Mas mantive a minha escolha e devo dizer que não estou arrependida. A vida é feita de riscos e quem tem medo fica em casa.

No futuro, gostava de ter uma carreira política?

Não tenho qualquer intenção de fazer carreira política ou sequer de vir a ser militante de um partido. Aquilo que sinto é o dever cívico de participar sempre nas causas em que acredito, sejam elas de natureza política, social ou de cidadania.

Quais são as suas orientações políticas?

Venho de uma família com tradições na área do socialismo democrático e desde pequena que me habituei a assistir a acaloradas discussões sobre temas políticos, em que poucas vezes reina a unanimidade. Gosto de ouvir a opinião de pessoas mais qualificadas que eu nessas matérias, mas também sempre fui incentivada a pensar pela minha cabeça. E, tudo ponderado, considero-me no essencial mais próxima do socialismo democrático.

Em termos políticos, quem são as figuras que mais admira e porquê?

A nível mundial tenho uma grande admiração por tudo o que de extraordinário Nelson Mandela conseguiu fazer, depois de ter estado preso quase 30 anos! Acho notável a capacidade que demonstrou em assegurar a pacificação da África do Sul, quando tudo fazia prever que assim não acontecesse. Por Barack Obama, pela vitória de grande significado histórico e por tudo o que se espera que possa ainda vir a fazer. Em Portugal, destaco Mário Soares pelo papel fulcral que teve no sucesso da democracia em Portugal.

Desde que idade vota? Votou sempre no Partido Socialista?

Desde os dezoito anos, ou seja, desde 2005. Para as legislativas votei sempre PS. Em outras eleições não necessariamente, depende dos candidatos...

Como acha que as pessoas da sua idade vêem a política em Portugal?

Embora não possa generalizar, acho que já estiveram mais alheados da política do que estão hoje. As pessoas, e não só os jovens, começam a perceber que dizer mal da política e dos políticos - sendo esse o caminho mais fácil - não leva a lado nenhum.

Estudou Comunicação Social. Gostava de deixar o entretenimento e fazer jornalismo na área da política?

Eu não deixo o entretenimento. Ele é que me pode deixar a mim... Já acabaram as gravações do "TGV" e do "Tá a Gravar" e, por enquanto, não estou em nenhum projecto, apesar de gostar muito dessa área. Já disse várias vezes que gostaria um dia mais tarde de fazer jornalismo, mas acho que ainda não estou preparada.

O que pensa do programa eleitoral do PS?

Penso que é um programa equilibrado e o possível nas actuais circunstâncias. Não julgo que venha a existir uma alteração profunda do que tem sido a política do governo. Mas a probabilidade de o PS obter uma vitória sem maioria absoluta pode levar à necessidade de fazer, pontualmente, alguns compromissos necessários no Parlamento.

Quais são para si os verdadeiros entraves ao desenvolvimento do país?

Apesar de algumas medidas de sucesso já tomadas, como o Simplex, continua a subsistir alguma burocracia. Apontaria também a falta de mão-de-obra qualificada e a pouca competitividade de muitas empresas nacionais como outros factores de entrave ao desenvolvimento. Ainda esta semana, o jornal i destacava o facto de 80% das empresas em Portugal terem quatro ou menos trabalhadores. Uma grande parte do desemprego resulta da dificuldade de sobrevivência destas pequenas empresas, sobretudo em sectores tradicionais, cuja produção se foi tornando pouco competitiva ou mesmo obsoleta.

E o desemprego?

O desemprego é um dos maiores problemas. Não só em Portugal como a nível mundial. A verdade é que, na maior parte das vezes, o desenvolvimento económico e a procura de maior produtividade e competitividade, de que falava há pouco, levam frequentemente à substituição de mão-de-obra pela incorporação de mais tecnologia, agravando o número de desempregados. Trata-se de um grande desafio, acima de tudo de um novo desafio que exige novas respostas e não as convencionais. A aposta na qualificação das pessoas é uma tarefa tão necessária quanto demorada. Cabe ao governo, através dos sistemas de apoio social, acautelar as condições mínimas para quem se vê numa situação de desemprego e, ao mesmo tempo, através de medidas e incentivos, garantir condições para que as empresas possam criar mais e melhor emprego.

É difícil conciliar os estudos com o trabalho?

Comecei a trabalhar aos 16 anos, quando estava no 11.o ano na St. Julian's School. Estava então no programa "Disney Kids", o primeiro programa que apresentei na SIC. A produção fez um esforço para me ajudar a conciliar as aulas com os horários de trabalho. Depois, aos 18 anos, quando entrei para a universidade, continuei sempre a gravar o mesmo programa. Comecei o mestrado em Media e Jornalismo em 2008 e falta-me agora o último ano, que é o da tese. Este ano, as gravações intensificaram-se porque estive a apresentar dois programas: o "TGV" e o "Tá a Gravar". Mas, uma vez que estava na faculdade, partiu de mim gerir a minha própria agenda. Sempre consegui ter tempo para fazer tudo. Nunca chumbei nenhum ano, nem a nenhuma cadeira. Os meus pais sempre tentaram que a minha vida fosse o mais parecida possível com a das minhas irmãs. Sempre me puxaram para o mundo real, apesar das situações a que a minha vida obriga.

Como lida com aquilo que a imprensa cor-de-rosa escreve sobre si?

A imprensa cor-de-rosa tem a importância que nós lhes quisermos dar. E eu, por ter começado muito nova a trabalhar neste meio, aprendi a separar as águas e a viver a minha vida sem me deixar condicionar pelas coisas que escrevem sobre mim. Tenho, em primeiro lugar, uma base familiar sólida e coesa, que me mantém com os pés na terra e tenho educação e formação para me conseguir distanciar das coisas. Também consigo, com alguma facilidade, relativizar os problemas e pensar que tudo isto não tem muita importância se pensarmos a longo prazo. Claro que é desagradável ler certas coisas que escrevem sobre mim. Mas não as posso evitar.

Lê regularmente o que escrevem?

É inevitável ter conhecimento das notícias que saem diária ou semanalmente na imprensa. Porém, não tenho a curiosidade de ler, muito menos de comprar.

Para terminar, qual é a verdadeira história das uvas e grainhas?

Dei uma entrevista mais intimista, onde me perguntaram qual era o melhor mimo que me podiam fazer. Respondi: quando a minha empregada, que trabalha na minha família há mais de 40 anos, me tira as grainhas das uvas e os caroços das cerejas. Sempre nos fez isso, a mim e às minhas irmãs, e quando fui viver sozinha a primeira coisa que me ofereceu foi um objecto para tirar os caroços da fruta.

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